“O sentimento de estar descobrindo coisas novas, que potencialmente podem melhorar a vida das pessoas, é algo muito gratificante”

Escrito por: Wagner Barboza e Francisca Pires | Publicado em: 10 de março de 2020

Essa é a declaração do professor Rafael Chaves sobre sua pesquisa, na área de de informação quântica, que recentemente conquistou um financiamento de R$ 1 milhão do Instituto Serrapilheira. O feito ganhou grande destaque na UFRN e, em entrevista, ele deu mais detalhes sobre a pesquisa, seu interesse pela Física Quântica, além de falar um pouco sobre sua infância e seus primeiros passos como pesquisador.

Filho de uma psicóloga e de um técnico em eletrônica, Rafael nasceu no Rio de Janeiro e cresceu em Minas Gerais. Seus pais sempre se esforçaram muito para que ele e sua irmã tivessem uma boa educação, ainda que com poucos recursos financeiros. Sendo assim, eles conseguiram ter acesso a escolas particulares até o nono ano e, logo em seguida, ambos conseguiram entrar em cursos técnicos na rede federal de ensino. Sua irmã, no COTEC (Colégio Técnico); ele, no CEFET/ MG  (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais), onde cursou Informática Industrial e teve sua primeira experiência em um ambiente tipicamente universitário.

“Fui uma criança bem normal, extrovertida. Nunca fui do tipo nerd mas tinha facilidade na escola, apesar de não ser estudioso”, relembrou.

Aos 17 anos, ele foi aprovado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) no curso de Física e, aos 19, saiu de casa para morar com alguns amigos. “Sempre gostei da área de tecnologia, de computadores em particular. No CEFET, meu curso lidava bastante com hardware e tinha parte de programação também. Na época que eu terminei, em 1999, já se ouvia falar um pouco de computadores quânticos e eu comecei a me interessar. Por isso, a Física era o caminho natural. Eu gostava de tecnologia, mas queria entender o funcionamento das coisas num nível mais fundamental, mais básico”.

Rafael Chaves em sua sala no Instituto Internacional De Física/ UFRN
Foto: ComC&T

Anos depois, já atuando no IIF (Instituto Internacional de Física), Rafael vem desenvolvendo um projeto -intitulado “A Causal Inference Approach to Quantum Information (CausalQI)” (Uma abordagem de inferência causal às informações quânticas)- que tem como objetivo explicar por que o teorema de causa e efeito não se aplica a fenômenos quânticos e essa foi uma das pesquisas escolhidas pelo o Instituto Serrapilheira para receber um financiamento de R$ 1 milhão. 

Mundo Quântico e a vida real

Há três anos em desenvolvimento, o projeto tem várias vertentes e conta com várias colaborações ao redor do mundo. “Ele está na interseção entre a informação quântica e a teoria matemática da causalidade”, esclareceu Rafael Chaves. A informação quântica é a ideia de como usar sistemas microscópicos (fótons, elétrons, íons, átomos etc.) para processar informação. O computador que temos atualmente tem dispositivos que operam de acordo com a teoria quântica, como, por exemplo, um semicondutor, mas a forma como um computador atual processa a informação é completamente clássica, não muito diferente de uma calculadora mecânica de 500 anos atrás. Segundo o físico, através da informação quântica será possível fazer um protocolo de criptografia quântica onde a segurança do método será garantida pelas leis da Física.

A chamada teoria da causalidade nasceu na ciência da computação e o que ela faz é criar um arcabouço matemático para que, através de dados empíricos, possa ser feita a extração de relações de causa e efeito. “Correlação não implica causalidade. A ideia dessa teoria da causalidade é justamente fazer o contrário: a partir de correlações poder dizer se existe algum tipo de causalidade envolvida ou não”, disse Chaves.

“A forma como um computador atual processa a informação é completamente clássica, não muito diferente de uma calculadora mecânica de 500 anos atrás”, disse.

Essas teorias podem ser utilizadas, por exemplo, na análise de dados médicos e, a partir deles, ser possível identificar se um determinado comportamento pode estar associado a alguma doença ou se algum medicamento pode estar ligado à cura de um sintoma. Também possuem importância no contexto de aprendizagem de máquinas. Uma máquina autônoma pode aprender a respeito do mundo a sua volta através de um modelo causal, por exemplo.

A decoração da sala do pesquisador conta com uma miniatura do cientista Albert Einstein
Foto: ComC&T

As aplicações em aprendizagem de máquina são consequências inesperadas de se fazer ciência básica. “Se a gente não tivesse fazendo ciência básica nada disso teria sido descoberto”, disse Rafael. “Se eu tivesse simplesmente me limitado a operar computadores clássicos, baseados nos semicondutores, na física de 70 anos atrás, eu nunca teria descoberto junto com meu time e colaboradores esses novos efeitos. “É justamente esse ímpeto de ir além do que já está estabelecido que leva para os grandes saltos tecnológicos” declara Rafael.

De um modo geral, usamos de teorias clássicas para entender fenômenos quânticos, o que nem sempre é possível. E quando isso não é possível, estamos testemunhando algo de fato quântico. Essa é uma parte da pesquisa. A outra é justamente tentar introduzir uma noção genuinamente quântica do que é causalidade, ou seja, uma generalização quântica da teoria clássica da causalidade.

Metodologias e resultados

Através das colaborações com outras instituições, vários experimentos são realizados em diversos países, como Itália, Escócia, Austrália e Chile. Também existe uma colaboração com uma universidade no Rio de Janeiro. Para fazer análise de dados, o grupo faz uso de técnicas analíticas e também métodos numéricos, tais como otimização convexa (utilizada para otimizar funções) e também a aprendizagem de máquina. Os pesquisadores ainda revisitaram alguns experimentos quânticos, dando interpretações causais a esses experimentos e descobriram que várias das técnicas básicas em teoria de causalidade clássica deixam de valer quando ao analisar fenômenos quânticos.

De forma geral, a conexão entre teoria da causalidade e informação quântica mostra novos caminhos para novos tipos de protocolos em processamentos de informação, como um experimento- feito com colaboradores na Itália- para certificação e geração de aleatoriedade quântica. “Mesmo que existisse um ser todo poderoso que tivesse acesso a toda a informação do universo, ele não conseguiria predizer qual é o resultado daquele experimento”, afirmou o professor.

Foi criado ainda um modelo matemático de uma internet quântica do futuro. Nesse caso, foram analisadas as características físicas e estatísticas dela, descobrindo-se, assim, que será muito diferente da internet que temos hoje.

Desafios de um professor pesquisador no Brasil

Rafael era pesquisador na Alemanha e cerca de 4 anos entrou para o Instituto Internacional de Física da UFRN. “A ideia do Instituto me agradou. Um centro focado em pesquisa de ponta”. Professor na ECT desde 2018, ele disse que não teve muita dificuldade em se adaptar à Escola, pois já havia tido essa experiência anteriormente, na Alemanha. Segundo ele, o que difere na ECT são as turmas com muitos alunos e a carga horária. Em outros países, os professores tipicamente assumem uma disciplina por semestre, diferentemente do Brasil.

Instituto Internacional De Física/ UFRN
Foto: Portal N10

“É justamente esse ímpeto de ir além do que já está estabelecido que leva para os grandes saltos tecnológicos”, disse.

O docente afirmou ser completamente possível alunos de iniciação científica participarem de grupos de pesquisa que estudam o mundo quântico, pois não é algo completamente distante da realidade. Chaves ainda relatou as dificuldades de conciliar a vida de professor universitário com a de pesquisador. Entretanto, considera que lecionar é um aprendizado eterno: “O melhor de ensinar é justamente aprender”, disse. 

Sobre ser pesquisador, o professor falou sobre o sentimento de estar descobrindo coisas novas e também da interação com outros pesquisadores, onde conheceu (e ainda conhece) muitas pessoas interessantes. Por fim, o professor deixou um recado para aqueles que querem seguir a carreira acadêmica, que nunca fiquem no mesmo lugar e que “gastem tempo” em pós-doutorados, pois é onde realmente você terá a vivência de pesquisador.