Passos lentos: o progresso na equidade de gênero em ciência e tecnologia

No mês marcado pelo Dia Internacional da Igualdade Feminina, evidenciamos o fato de que ainda estamos longe de alcançar a igualdade de gênero nas áreas de pesquisa, ensino e extensão em ciências e tecnologia.
Escrito por: Francisca Pires e Marilia Bezerra | Publicado em: 26 de agosto de 2020

O mês de agosto é, todo ano, um importante símbolo na luta pela igualdade de gênero. No seu 26° dia, comemora-se o Dia Internacional da Igualdade Feminina, data escolhida em alusão à ratificação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789) e que tem por principal objetivo, a reflexão acerca das conquistas femininas.

Apesar de ser uma efeméride muito simbólica, a data está longe de ser comemorativa. De fato, muitas conquistas foram feitas ao longo dos anos mas, ainda sim, os avanços correm a passos lentos e a sociedade ainda está muito longe de atingir a igualdade total entre os gêneros. Essa desigualdade reflete-se fortemente em diversos campos sociais e um deles é a ciência. Seja na academia ou no mercado de trabalho, as mulheres enfrentam uma série de dificuldades para se afirmar e ocupar espaços que sempre foram, majoritariamente, tidos como masculinos. 

Ainda que a trajetória da ciência e tecnologia seja marcada por descobertas e trabalhos realizados por mulheres – partindo de Ada Lovelace, responsável por elaborar o primeiro algoritmo para ser executado por uma máquina, passando por Marie Curie, pioneira nas pesquisas sobre radioatividade, até Katie Bouman, cientista que elaborou um algoritmo capaz de registrar a primeira foto de um buraco negro -, é evidente que relação entre gênero, ciência e tecnologia, historicamente, se deu de forma desigual, proporcionando, assim, a invisibilidade das mulheres na história das ciências.

Segundo a pesquisadora Carla Cabral, professora da área Ciência, Tecnologia e Sociedade na Escola de Ciências e Tecnologia e responsável pelo projeto “Indicadores de ciência, tecnologia e gênero: um olhar sobre a região Nordeste do Brasil”, a contribuição de muitas mulheres acabou não reconhecida na história da ciência, restou invisível. Nessa pesquisa, procura reunir dados e construir indicadores de gênero, ciência e tecnologia, de forma a evidenciar as desigualdades de gênero existentes no campo acadêmico-científico. Conhecer e analisar as políticas de gênero existentes em universidades nordestinas de forma articulada aos indicadores é importante nesse contexto de desigualdades, por isso tornou-se também um objetivo do projeto.

Números que refletem a desigualdade 

Uma indicador é um número que representa a situação social, cultural e/ou historicamente situada das mulheres nas áreas científicas. De acordo com a pesquisadora, através desses números é possível observar dois tipos de segregação: a territorial, que se dá pela maior presença de homens que mulheres em áreas de conhecimento; e a hierárquica, ou seja, à medida que se sobe nos níveis hierárquicos da pesquisa científica, o número de mulheres diminui. Por exemplo, são poucas mulheres com bolsa de pesquisadora 1A (nível de maior prestígio) da CNPQ, especialmente em áreas como engenharia; ou o número de mulheres que ocupam altos cargos de gestão, como reitorias das universidades federais no país.   

Ao longo dos anos, o estudo de ciência e tecnologia se deu de forma que exclui a participação feminina, dificultando mais ainda o acesso das mulheres a tais estudos. “Ao pensar em gênero como variável importante para construir estatísticas, quebramos a lógica da ciência neutra”, afirma a pesquisadora. Ainda segundo ela, também é possível trabalhar com o indicador como uma forma objetiva de chamar atenção para complexos fenômenos históricos, sociais e culturais que os números ensejam.

Pluralidade feminina na ciência e tecnologia 

Ao fazer análises sobre a participação feminina em áreas STEM (da sigla em inglês: Science, Technology, Engineering and Mathematics), é preciso levar em consideração vários fatores, tais como: cor, raça, identidade de gênero, maternidade e situação econômica-social. Esses pontos influenciam diretamente na forma que as mulheres atuam no desenvolvimento científico. 

No estudo da história da ciência, quando observamos os grandes feitos realizados por mulheres, é notório que a participação de negras é quase nula. Esse fato se dá por questões históricas. No Brasil, por exemplo, a primeira mulher a se formar em uma universidade foi Rita Lobato Velho Lopes, no ano de 1887, e a escravidão foi abolida apenas em 1888.

Enedina Alves, primeira mulher negra a se formar em Engenharia no Brasil, no ano de 1945 pela Universidade Federal do Paraná. 
(Fonte: Fundação Cultural Palmares)

Segundo o CNPq, a proporção de mulheres negras que integram as pesquisas científicas é de 15% para 32% brancas e, quando partimos para analisar a proporção de bolsas de pesquisa de produtividade, a diferença é muito maior, de 3% de negras para 27% de pesquisadoras brancas. Os números levantados são preocupantes levando em consideração que a população negra corresponde a 54% no Brasil. 

Um olhar local 

Em 1993 o CNPq realizou o primeiro censo para obter o número de pesquisadores, mas a variável sexo, tratada como gênero na pesquisa coordenada por Carla Cabral, só foi incluída dois anos depois, em 1995. Segundo dados fornecidos pela pesquisadora, em 2010 a proporção de pesquisadores e pesquisadoras era a mesma, mas ao fazer uma análise profunda nas áreas de engenharia, encontramos a discrepância de 20.505 mulheres enquanto o de homens é de 57.757. 

Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a presença de mulheres se destaca nas áreas de pesquisa relacionadas a saúde, biologia e educação. De acordo com dados de 2014 do Sistema de Gestão Integrada de Atividades Acadêmicas (SIGAA), em relação à docência, o número de mulheres lecionando em centros acadêmicos de engenharia é mínimo. No caso de alguns cursos de engenharia, como Engenharia Mecatrônica, o número de professoras é zero. Analisando os discentes, no curso de Ciências e Tecnologia, dos 1226 ingressantes em 2019, apenas 278 são mulheres. 

“Acho que já tenho uma importância por ser uma estudante de engenharia, já que antes era bem difícil ter mulheres na área. Hoje tenho várias amigas que estudam comigo e buscam a mesma coisa.” relata Jamili Lemos, graduanda em C&T e diretora administrativa da Include, empresa júnior do Centro de Tecnologia da UFRN. 

Elisama Vieira, professora da ECT, vencedora dos prêmios ISE-Elsevier Prize for Green Electrochemistry e ‘Para Mulheres na Ciência 2016’. (Fonte: L’Oréal Brasil)

Porém, aumentar o número de mulheres ingressantes nas universidades não é o suficiente para garantir a igualdade de gênero, tanto em pesquisas, quanto em outros níveis de poder. É necessário criar um ambiente de discussões sobre os padrões masculinos na engenharia, assim como buscar formas de entender e disseminar que a ciência não é neutra nesse aspecto. 

É importante a criação de redes de suporte para mulheres que já estão nos cursos das áreas STEM. Na UFRN, por exemplo, temos o grupo Mulheres na Engenharia UFRN (WiE, sigla em inglês), associado ao Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEE) e que visa dar apoio a mulheres que estão inclusas nas áreas de ciências exatas e engenharias, através de workshops, eventos, mesas redondas e outros encontros,. 

Apesar de bons exemplos, pesquisas como a da professora Carla denunciam o quanto ainda está distante a equidade de gênero nesses espaços. É necessário, portanto, o diálogo sobre tais questões, visando a busca de soluções que melhorem urgentemente o atual cenário e assim as mulheres sintam-se encorajadas e confortáveis para produzir, sem qualquer tipo de opressão.